segunda-feira, 28 de março de 2011

Sob a lona

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   O deputado Tiririca (PR-SP) deve apresentar projetos ligados ao circo no Congresso. A notícia é da colunista Mônica Bergamo, publicada quinta-feira 03/03/11, no jornal Folha de São Paulo.

A mulher roçava a própria barba e tinha nos olhos um brilho de encantamento. Mal acabou de ler a nota no jornal, foi gritando aos quatro ventos que, agora, a sorte do Circo ia mudar. 
A euforia acordou o Homem Borracha, que saiu do trailer se espreguiçando, se espreguiçando, mas tão elasticamente que até dava dor nas costas de quem olhasse aquele magricela com mais de dois metros de altura. 
Logo, estavam todos reunidos no picadeiro. O mágico, sempre  irônico, cochichava aos mais próximos que daquela reunião não ia sair coelho nenhum... Em outro canto, o Homem Fera, desinteressado de assuntos maiores, continuava a distribuir gracejos à Esmeralda, trapezista daquela trupe e totalmente desinteressada pelo cabeludo de caninos afiados. 
Uma voz rouca, pedindo atenção, fez todos se calarem. Era o palhaço Tapioca. Trajava metade da fantasia que costumava usar nas noites de espetáculo. Vestia a calça amarela muito larga e os sapatos gigantes e alaranjados, mas estava sem camisa e com a maquiagem incompleta. 
Tapioca, na verdade, era Astolfo, o dono do Circo. Sempre que estava diante de seus comandados, era sisudo e exigente como um general. Estavam lá o nariz vermelho, a metade da pintura da boca, mas dentro daquele peito ardia um coração que sabia bater no compasso da seriedade. 
O sujeito explicou que estava há muito tempo naquela vida e que já fizera tantos malabarismos contábeis que não esperava por dias melhores. Confessou, estarrecendo a todos, que se deitava todas as noites pensando ser a última que mantinha o Circo em pé. 
Reclamou dos novos divertimentos. São muitos shoppings, joguinhos online, DVDs piratas... Tudo ia contra o hábito de se visitar o Circo, de se cultivar uma platéia... A vida sob a lona estava mesmo difícil.
Aquele Circo, há muito, tinha quebrado. As dívidas se avolumavam a números tão altos, mas tão altos que nem o Homem Bala as podia alcançar... Por isso mesmo, a assunção de um palhaço ao poder interessava tanto, causava furor.
Tapioca ponderou que aquela conquista era apenas um começo, mas podia significar a salvação. E revelou a todos o seu intento: queria organizar uma pequena comitiva, reunir as últimas economias e ir ter com o mais novo representante da classe.
A Mulher Barbada amassou o jornal contra o peito e tinha agora os olhos arregalados, tamanha era a expectativa. O Homem Borracha, cheio de ansiedade, a puxou de longe para se abraçarem e vibrar juntos. Até o mágico se esqueceu do sarcasmo e sentiu uma lágrima emocionada escapulir.
O Homem Fera, se tivesse rabo, o colocaria agora entre as pernas, pois a doce Esmeralda chorava, chorava, chorava e quando isso acontecia ficava ainda mais linda... 
E foi assim, comovidos, que todos se prepararam para o espetáculo daquela noite. O diminuto, mas ainda respeitável público riu e se impressionou como nunca a cada apresentação. E todos os artistas trabalharam como se fosse a última vez. Para que fosse a melhor de todas.
E eu, de cá, afirmo: inacreditavelmente, o exemplo daquele Circo se estende a todos nós. Por mais que estejamos desolados, sem forças, sempre existe uma fagulha capaz de incendiar as nossas esperanças... 

Quem é Fábio Pereira

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Fábio Pereira tem 25 anos e é um cronista das “desimportâncias”. 

Entre os temas de seus textos estão relacionamentos intricados, sentimentos humanos e pontos de vista das crianças sobre o mundo...

Nem é preciso dizer que nenhum dos assuntos figura em qualquer rol de primeiras necessidades.

Para o autor, porém, o irrelevante pode ser também essencial.

Por isto, despretensiosamente, aposta em textos água-com-açúcar, na tentativa de oferecer pequenas doses de distração aos leitores submersos até a testa pelas prioridades enlouquecedoras do dia-a-dia.