quarta-feira, 15 de junho de 2011

Namorados que a gente vê por aí*

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Roberto chegou em casa equilibrando em uma das mãos um amontoado de pastas e, na outra, um picolé todo derretido. Depois de mil e uma estripulias para abrir a porta e cinco grandes manchas de creme no tapete da sala, ele se jogou, aliviado, no sofá. Sua esposa, da cozinha mesmo, pergunta toda cheia de dengos: “você sabe que dia é hoje, Betão?”. Era dia dos namorados e Roberto não estava nem sabendo. Acabou que ele ofereceu a metade do seu derretido sorvete como um presente apaixonado. Resultado: Betão passou uma noite nada romântica sozinho no sofá da sala. 

O jovem Bruno estava frente a frente com ela, Amanda, sua companheira de cursinho pré-vestibular e possivelmente a menina mais bonita do mundo. Pelo menos ele achava isso. Depois de milhões de mensagens de texto trocadas pelo celular, bilhões de e-mails cheios de confidências e zilhões de olhares entrelaçados, estava ele, finalmente, frente a frente com ela. Resolveram sair para conversar, tomar um suco, em pleno dia dos namorados. Estavam agora com os rostos próximos, ouvindo o suspirar ofegante um do outro, com direito a cada um ter todas as dúvidas do mundo ao mesmo tempo. Beijaram-se, enfim.
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Manoel e Etelvina completavam aniversário no dia dos namorados. Mas, no caso deles, a data não tinha nada a ver com o casamento. No dia dos namorados completavam exatos 25 anos que os dois dormiam em camas separadas, embora vivessem na mesma casa e dividissem as despesas. O amor tinha se apagado e o comodismo fez com que eles continuassem sob o mesmo teto. Manoel namorava muitas nos bailes de quinta-feira. Já Etelvina continuava solteira, mas garantia: um dia casa com um homem mais ou menos bom. E ela frisava o “mais ou menos bom” porque tem certeza de que homem bom não existe.  


Há invejáveis cinqüenta e cinco anos, leitor, Romualdo vive se gabando de poder gozar da presença (segundo ele, a mais doce presença que pode existir) de sua companheira Gorete. No dia dos namorados, num romantismo que não tem hora nem lugar, os dois fazem o que já estão acostumados há tempos: ele recita poemas e ela escuta de olhos fechados, saboreando os versos feitos com seu nome. Depois, eles dançam na sala de estar, conversam, dançam um pouco mais, e riem, riem como crianças. À noite, vão ao cinema ou ao teatro. Ele sempre acariciando as mãos dela. Ela sempre agradecendo a Deus, à vida, ao destino traçado com o brilho das estrelas, por ter casado com um amigo, alguém que a faz feliz.  


*Crônica originalmente publicada no jornal Correio Paulistano [há um bom tempo] com o título Casos de amor que a gente vê por aí.