terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Visita ao coração

A casa está vazia. Sem móveis nem sonhos. Está também abafada, porque as portas, há muito cerradas, prenderam a poeira e o calor aqui dentro. Os meus passos vacilantes por entre os cômodos vazios não soam nada. Por aqui, nem o eco aparece.

As paredes da sala conservam as molduras de outrora, mas sem foto alguma, porque as lembranças não fazem visita faz tempo. Na cozinha, os azulejos perderam as manchas de gordura. Estão límpidos e ostentam a pureza sem graça dos revestimentos saídos há pouco das lojas.

Meus olhos não miram nada familiar. Parece até que nunca estive aqui. Mas é a minha casa, sei que é. O endereço, a vizinhança, a árvore no quintal. Tudo do lado de fora é igual ao que sempre foi. A mudança é aqui dentro. Só aqui.

Vou em direção ao quarto e a porta nem range mais. Sem cama, sem tapete... Nem as medalhas daquele campeonato na escola resistiram a este misterioso sumiço. As persianas também evaporaram. Juntamente com todo o resto.

O que tragou tudo o que tinha aqui? Em que fim de mundo minha vida se meteu? Não há mais história, apenas este presente tresloucado e um futuro incerto ameaçando vir! Diante disso sequer o desespero ousa adentrar nesta alcova que se não é feliz, tampouco se faz tristonha.

Dentro de minha casa não há nada. Nem certo nem errado. Nem fundo nem raso. Nem fraco nem forte. Não há gente e muito menos solidão. Não há morte e vida. Há vazio. Apenas o vazio. E o rosto do nada é a um só tempo belo e terrível.

Pouco a pouco o sono me enlaça e um torpor me cega. Dentro de minha casa não há medo nem desejo, coragem ou desespero. Agora, há tão somente escuridão. É tudo calmo como uma brisa cheia de preguiça, incapaz de soprar. Por fim, adormeço.

E a vida segue assim desde então: acabou-se a alegria, mas também a tristeza. Não há mais a agonia ou mesmo a beleza. O tempo passa sem que se ouça nada. Seja grito, seja choro. Riso e coro ou coisas assim. Não há o menor sinal de amor, porque o ódio não se tem mais. Há silêncio, muito silêncio. E tudo isso – que estranho! – faz chegar até aqui uma repentina paz.